sexta-feira, 23 de novembro de 2007

“Grandes profissionais, grandes conflitos, grandes divergências. Isso faz a beleza da comunicação”


O jornalista Reynaldo Rocha já passou por vários veículos de comunicação, presenciou as transformações que o jornalismo sofreu ao longo das últimas décadas e continua atuando como comunicador com bastante entusiasmo.
Hoje, aos 61 anos, apresenta o programa Roda Viva Local, que vai ao ar às noites de terça-feira, pela TV Cultura, e representa um importante símbolo da história do jornalismo no estado de Goiás.
Nascido em Corumbá, mas morador de Goiânia desde os cinco anos de idade, Reynaldo Rocha, iniciou sua carreira aos 18 anos extinto jornal “Diário do Oeste” – época em que os cursos de comunicação ainda não existiam no estado. Anos depois, formou-se na primeira turma de jornalismo da Universidade Federal de Goiás. Apesar de ostentar com orgulho o diploma conquistado, Reinaldo não defende a obrigatoriedade da formação superior para o exercício do jornalismo. Esse e outros temas foram tratados na entrevista que o apresentador nos concedeu, terça-feira, 18, na Associação de Empresas do Mercado Imobiliário – Ademi, para a qual presta assessoria de imprensa.
Experiente – trabalhou na TV Anhanguera, foi correspondente de Goiás para a revista Veja e para o Jornal do Brasil e o Globo , trabalhou como editor chefe do jornal “O Popular” – Reynaldo falou sobre as mudanças ideológicas e econômicas pelas quais o jornalismo tem passado, o papel da televisão na sociedade, as conseqüências sofridas pela imprensa durante o período ditatorial, a consolidação da democracia no Brasil e em Goiás e sua vocação à comunicação.
Filho e irmão de jornalistas, Reynaldo, também formado em Direito, prestou vestibular para Engenharia, Arquitetura e Economia, mas garante: “ O jornalismo é minha paixão”.

Como o senhor começou sua carreira?
Reynaldo Rocha: Comecei com 18 anos em uma situação diferente da de hoje. Na época, não havia curso de comunicação em Goiás, portanto o mercado era completamente livre. Entrava – se em uma redação de jornal atrás de um emprego como outro qualquer. Eu havia perdido o emprego, precisava trabalhar... Havia oportunidade em um jornal, chamado "Diário do Oeste" e resolvi aproveitá – la. Um empresário tinha uma gráfica e decidiu montar o jornal. No começo, não havia regulamentação. Depois de um tempo, o Ministério do Trabalho quis regularizar a situação e emitiu licenças provisórias que, mais tarde, se tornaram permanentes. Em seguida, surgiu uma lei que foi a ultima oportunidade dada para a regulamentação da profissão de jornalista no Brasil.

Qual era a ideologia do jornal “Diário do Oeste”?
Reynaldo Rocha: Naquela época, o jornal era muito efervescente. Havia uma inclinação para a esquerda, tanto que ele acabou logo depois do Golpe Militar de 64. Devido à pressão violenta que sofreu, o veiculo foi vendido para um pessoal de Direito, que o manteve para que ficasse um registro histórico da resistência da imprensa de Goiás à mudança do regime. Era um período negro da ditadura brasileira e o jornal não sobreviveu por muito tempo. Quando começou a entrar em crise, eu já havia sido convidado para um outro jornal, o “Diário de Goiás”, que sobreviveu por uns três anos. Este jornal pertencia ao governo do Estado. O governo Mauro Borges tinha o Consórcio de Empresas de Rádio Difusora do Estado – Cerne. A idéia era fazer uma espécie de ponto de orientação dentro da estrutura do Estado – rádio, televisão, agência de propaganda e jornal.

Qual foi o posicionamento da imprensa goiana na época da ditadura militar?
Reynaldo Rocha: A imprensa foi muito rigorosa nos primeiros momentos. Os jornais conviveram com os chamados censores, que iam para as redações vigiar o que você estava elaborando, o que você ia editar e publicar no dia seguinte. No começo, houve muita resistência e confronto, mas, a partir do momento em que o regime foi ficando mais duro, não havia como resistir. Um jornal foi fechado e outros, como o “Correio da Manhã”, que era anti – militar, foram sucateados e asfixiados economicamente, não sobrevivendo. O “Correio da Manhã” teve uma oposição muito definida; fez história.

Há quem diga que vivemos em uma ditadura camuflada. O senhor acha que a democracia está bem estabelecida?
Reinaldo Rocha: Perfeitamente. As instituições estão fortes e a imprensa popular foi adquirida. As mazelas históricas do país estão sendo desvendadas e as pessoas estão sendo punidas. Quem imaginava que um dia Paulo Maluf iria ser preso? Foi detido porque houve cobertura de toda a imprensa. Só não concordo com os critérios que a Globo utiliza e com a exclusividade que ela tem. Isso é um atentado contra a liberdade, um péssimo exemplo e configura um outro tipo de ditadura: a ditadura do poder absoluto. A Globo acha que é maior do que qualquer coisa no País, maior até do que o próprio governo. Assim, ela faz e desfaz. Aquilo é um exemplo de empresa forte.

O senhor acredita que os veículos deixaram de lado a ideologia?
Reynaldo Rocha: Eu acho que os jornais eram muito mais ideologizados do que hoje. Agora, eles são muito mais empresariais. Atualmente, se os veículos não tiverem um equilíbrio financeiro, eles quebram e, às vezes, para se ter esse equilíbrio é preciso saber que os poderes constituintes são grandes. Eu não digo que os jornalistas deixaram de ter suas ideologias. Eles continuam sendo agentes ativos e têm muito mais percepção do que a média das pessoas. Mas, os jornais de antigamente eram muito mais forçados: uma capa tinha uma posição e brigava por ela. Mas na verdade a grande transformação foi de natureza tecnológica. Hoje, a sociedade tem acesso muito mais rápido à mensagem porque tem à disposição modernas tecnologias. Você nem precisa mais comprar jornal. Em casa, vendo televisão ou em frente ao computador, você sabe o que está se passando no mundo. A sociedade brasileira avançou muito e rompeu uma timidez histórica em função desse maior acesso via tecnologia. Mas, sempre há os grandes profissionais, os grandes conflitos, dúvidas e divergências; e isso faz a beleza da comunicação.

O senhor falou que houve um certo atraso do Brasil em relação a outros países no estabelecimento da imprensa. E em Goiás? A imprensa goiana sempre esteve atrasada em relação a de outros estados brasileiros?
Reynaldo Rocha: Sim. Como você concebe uma capital igual a Goiânia, com um milhão e 300 mil habitantes, dispor de apenas dois jornais diários? É um absurdo! Isso acontece devido à questão empresarial. Um jornal custa muito dinheiro, as edições são caras, os profissionais, nem tanto, porque recebem pouco. As pessoas dizem que houve uma regressão. No tempo em que comecei, chegamos a ter cinco diários. Acho que quanto mais veículos melhor é a imprensa, porque há uma concorrência mais saudável. Outra coisa interessante é que Goiás é uma referência de crescimento econômico no Brasil, porém as empresas têm uma visão atrasada, não anunciam. Os jornais são muito ligados ao governo e, por isso, têm dificuldade de se manter. O governo anuncia porque tem que comunicar o que faz à população. E a mídia, para agradar, dá a ele um anúncio que não precisava. Na época em que comecei as coisas eram mais modestas. Quem mantinha os jornais eram os comerciantes. Anunciavam farmacêuticos, donos de padarias...Você quase não via anúncios oficiais. Hoje,o público cresceu e houve uma evolução da televisão, que soma ao jornalismo entretenimento. Uma novela ou uma baixaria, como o programa do Ratinho, seduz as pessoas. Você senta na sala e os programas estão diante de você. Essa facilidade tem prejudicado a capacidade de questionamento da população brasileira.

Por que a televisão não prioriza programas que discutem temas polêmicos, informam e têm conteúdo, como o programa que o senhor apresenta?
Reynaldo Rocha: Vou dizer uma coisa bem emblemática. Logo que comecei o programa (Roda Viva Local), uma pessoa importantíssima da TV Anhanguera me disse: “Eu lamento não ter aqui um programa igual ao seu, porque qualidade é isso aí”. Ou seja, os profissionais não têm culpa, a questão é empresarial. Na TV Anhanguera, colocar uma hora para discutir esses assuntos é perda de dinheiro. E quem monta a grade de programação é a Rede Globo. Assim, as afiliadas têm que seguir a ditadura da Central Globo de Comercialização. Na TV Cultura nunca tive nenhum problema. Sempre trabalhei com muita seriedade e busco agregar valor naquilo que comunico. Não quero ditar regra a ninguém, nem fazer igual ao Lula dizendo que não há ninguém mais ético do que eu, pois há muita gente ética. Mas, eu sou ético e por isso é que tenho feito uma carreira de respeito. Essa é a lição que o jornalista tem que decorar.


Daniela Rodrigues
Larissa Bittar

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