sexta-feira, 23 de novembro de 2007

“Temos toda liberdade que a economia permitir”


Um dos mais respeitados jornalistas goianos diz que uma maior independência da imprensa depende da estabilidade econômica do meio em que ela está inserida.

O jornalista Cassim Zaidem, de 51 anos, nasceu em Barretos-SP e formou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1980.
Mesmo antes de sua formação, já trabalhava como locutor, redator, discotecário, narrador de futebol nas Rádios Barretos e Piratininga e também como repórter no jornal O Diário, além de participar, esporadicamente, do jornal Estado de São Paulo como correspondente.
Após a profissionalização, em 1980, passou por varias emissoras de radio e TV da capital como a Radio Clube de Goiânia, Rádio CBN/Anhanguera, Radio K e Rede Goiana de Radio. Na televisão trabalhou na TV anhanguera, TV Goiânia e TV Serra Dourada, nesta ultima participou da implantação como gerente de jornalismo criando os telejornais TJ Goiás e Jornal do Meio-Dia.
Reconhecidamente, um participante ativo da história de construção da moderna imprensa goiana, Zaidem analisa a trajetória do jornalismo no estado, à luz de seu próprio percurso dentro da profissão. Para ele, a profissionalização da atividade foi benéfica e acredita que a qualidade dos periódicos aumentou consideravelmente nos últimos anos. Só não concorda que a culpa de nossas “deficiências” recaia exclusivamente sobre o jogo de interesses monetários, evolvendo o governo e as empresas privadas.
Atualmente, Zaidem é coordenador de jornalismo, editor, produtor e apresentador do programa Goiás Hoje (Rede Goiana de Rádio) que é retransmitido para 108 emissoras de Goiás e Mato Grosso. Ainda é editor-chefe e apresentador do telejornal 12ª Hora da TV Brasil Central. Ele falou ao Jornal O único, da redação de uma rádio local na qual trabalha, entre o intervalo de gravação dos programas.


Nos primórdios da imprensa, quando as condições do veículo ainda eram precárias, muitos dos primeiros jornalistas exerciam mais de uma atividade. Isso ocorreu com o senhor?
Zaidem: Quando eu estava na universidade só podia cursar matérias pela manhã. Algumas pessoas possuíam mais tempo livre e concluíam o curso antes dos quatro anos. Enquanto estudava pela manhã na UFG, trabalhava à tarde na rádio Brasil Central (RBC) e à noite era gerente em uma churrascaria. Assim que assumi a direção da RBC fiquei só com a rádio.

O senhor acredita ser importante a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, para exercer a profissão?
Zaidem: É importante ter um curso superior. O jornalista é um contador de fatos da realidade. É necessário ter percepção do mundo. Se você analisar, o jornalista sabe de um fato e conta essa história de uma forma para que o receptor sinta interesse naquilo que ele vai divulgar. O fato, deve-se em razão de uma seqüência de outros, compete ao jornalista analisar, perceber e fazer as possíveis relações. A faculdade favorece na aquisição de uma metodologia de conhecimento, pesquisa e ação, tudo isso ajuda. O importante é que o curso dê uma universalidade de conhecimento e depois, que o comunicador faça um curso especial na área de comunicação para aprender a se comunicar. A faculdade oferece as ferramentas de análise que serão importantes para sua vida.

A criação do curso de comunicação da UFG foi importante para consolidação e desenvolvimento da imprensa goiana?
Zaidem: Com a criação do curso de jornalismo muita gente da redação foi fazer o curso e posteriormente todos que iam para a redação já passavam pela graduação. A faculdade assumiu o papel de analisar os veículos que existiam na época. Isso provocou reflexões e idéias sobre os jornais, ajudando a mudá-lo para melhor. Houve um ganho em qualidade. Isso é tão forte que, por exemplo, todos os jornalistas que estão na direção do jornal Opopular passaram pela universidade e a própria empresa está pagando para eles cursos de pós-graduação, não há mais contentamento apenas com a graduação.

Quais mudanças são mais perceptíveis na imprensa goiana desde o início de sua carreira até os dias hoje?
Zaidem: A linguagem mudou muito. Ela se tornou mais clara e acessível quando abandonou a retórica literária. Mas também houve melhoria na qualidade das pautas, melhor abordagem e análise dos assuntos, melhores qualificação gráfica, técnica, fotográfica e maior uso de info-gráficos. Os veículos definiram um público alvo, assim o atendimento ao público pode evoluir muito.

Na década de 70, quando o senhor começou a trabalhar em Goiás, o interessado em uma concessão de rádio ou TV a comprava como ocorre hoje?
Zaidem: Só a partir da década de 90 é que as concessões começaram a ser vendidas. Antes, a pessoa ganhava o espaço por possuir influência política ou por “força” em Brasília. Foi o Sergio Mota (Ministro da Comunicação no período de 1995 a 1998) que falou: “Vamos licitar a concessão. É um bem público, então vai ser licitado”. Então, agora, o interessado deve possuir um projeto técnico e o capital para investir no veículo. Quem oferecer mais por aquela concessão e tiver o melhor projeto, sairá contemplado, porque o governo recebe o dinheiro e aplica em outra coisa. Antes, muitas emissoras surgiam por conta da simpatia política. A própria concessão da TV Serra Dourada foi ganha por um grupo de políticos, mas ganharam e venderam. Então, quer dizer, na verdade o governo estava dando dinheiro para essas pessoas, não é? Sérgio Mota, no governo FHC, falou: “acabou a brincadeira, vamos vender concessão”.

E durante o regime militar, quando a imprensa era controlada, o senhor teve algum um texto censurado?
Zaidem: (pensativo) É a coisa mais engraçada, às vezes não dava tempo de ser censurado. O jornalista não era censurado antes, a constituição de 88 proíbe a censura prévia, a punição vinha depois. Conhecíamos as regras, se as infringíssemos receberíamos a repreensão depois. Eu poderia chegar lá no Opopular e ofender o governador, aí ele me processaria e fim de papo.(risos). As pessoas de hoje podem não saber, mas até anúncio de baile de formatura, precisava de ofício que passava pela mão do comunicador e era encaminhado à Polícia Federal para poder receber autorização de divulgação. Fiz muito isso quando tinha programa no rádio. Eu tenho alguns desses papéis guardados em pastas, na minha casa. Contando ninguém acredita. Um absurdo.

Em Goiás, o censor também atuava nas redações como ocorreu em jornais como “Estadão” e “Folha de S. Paulo”?
Zaidem: Durante um período sim. Mas muitas vezes os jornais recebiam por “telex”, uma espécie de máquina de escrever comandada por ondas de rádio, a ordem de proibição, vinda de Brasília, da divulgação de um determinado acontecimento. O presidente, pelos Atos Institucionais, que eram atos de exceção, tinha poderes, por exemplo, de cassar deputados. O político era eleito pelo povo, mas podia ser cassado e a imprensa não podia publicar nada a respeito. Morria o assunto, não tinha noticiário nenhum, entende?

O senhor poderia fazer uma avaliação do panorama da imprensa goiana comparada às outras referências, como os jornais mais tradicionais?
Zaidem: A imprensa tem que ser comparada dentro do potencial econômico da sociedade em que ela está inserida. Vocês não podem comparar as suas vidas com a vida do Bill Gates (risos). Porque é a economia de uma determinada sociedade que possibilita determinada imprensa. Temos toda liberdade que a economia permitir. A imprensa é um veículo, mas ela é também uma empresa que depende de receitas publicitárias, essas receitas publicitárias são oriundas do mercado, o mercado tem o tamanho que uma determinada economia comporta. Se a economia de uma determinada região é forte, os veículos terão boas receitas, então boas receitas atrairão bons investimentos, que por sua vez possibilitarão a contratação de bons profissionais, bons colunistas, será possível fazer viagens, fazer matérias especiais. Se a economia é fraca, então ocorre o oposto. Não podemos comparar a BBC com a TV Anhanguera, entendeu? A imprensa aqui (referindo-se à Goiás) é muito diferente daquela do Rio, de São Paulo, óbvio. Lá, são anunciantes nacionais, pesos nacionais, economias de envergadura nacional, quando nós estamos trabalhando com economias locais. A gente não pode imaginar que as coisas são de graça, o jornal contrata um repórter, paga o fotógrafo, todo o maquinário, todo corpo técnico gráfico, tem tudo para elaborar, custa dinheiro. A imprensa goiana até que dá respostas satisfatórias, analisando pelo ponto de vista econômico desta sociedade.

O senhor acha que a imprensa goiana é muito dependente do anunciante local a ponto de alguns assuntos tornarem-se intocáveis?
Zaidem: Sempre o comercial quis influenciar, isso é normal. É uma briga eterna, mas dizer que a redação aceita pacificamente as imposições do capital, também não é verdade. Em um momento o comercial consegue ganhar um pouco mais, em outro ponto, a redação tem mais força. Como um cabo de guerra. A redação não é ditada pelos interesses comerciais, exclusivamente. Nem os interesses comerciais são ditados por aquilo que a redação quer. Há sempre um equilíbrio.


Almiro Franco Neto

Vinícius Tondolo

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